sábado, 13 de enero de 2018

CRÔNICAS DE UM NUTRICIONISTA EM SANTA TEREZINHA DE ITAIPU

Quando as exuberantes mangueiras não apenas dão sombra


Mangas deliciosas
Entre dezembro e janeiro deste verão, passeando nas ruas de Santa Terezinha de Itaipu, uma cidade que fica a 28 km de Foz do Iguaçu, no estado do Paraná (Brasil), ao lado do Paraguai e da Argentina e a poucos quilômetros das famosas Cataratas do Iguaçu.


Os céus de Santa Terezinha são povoados por pássaros exóticos, pequenos pássaros com voos ágeis e grandes pássaros que vão a algum lugar, sobrevoando os ninhos do "João-de-Barro". Esse pássaro de cor marrom avermelhada, intercalam as suas construções artesanais de água e terra endurecidas entre os postes da linha de energia. Ao mesmo tempo, com zangãos e vistosas borboletas, centenas de beija-flores, enquanto brincam, desenvolvem acrobacias espetaculares, alegrando as ruas e as casas dos Itaipuenses.


Ninhos de João-de-barro
Beija-flor aproximando-se de um
bebedouro
Borboleta com grandes asas











Todos os dias, nos gramados localizados entre os campos de soja e plantações de mandioca, as crianças jogam bola de “pés descalços”. Porém, os chinelos que não ficam ao lado do campo, são usados para assinalar as traves do gol. Enquanto isso, outros empinam pipas ou explodem estrondosos foguetes que celebram as festividades da época. Rodeando o gramado e os cantos da cidade caminham cachorros tingidos pela terra argilosa que cobre as ruas, cães que mais do que ninguém são de todos.


Quando a tarde chega, a trilha sonora é definida pela cigarra, que canta apenas para o Natal, e que delicia com o seu som mágico os meus ouvidos. A intensidade, estridência e cadência do seu canto lembra a sirene da escola que estudava na minha infância quando anunciava o fim do dia. E ao cair a noite, os gigantes vaga-lumes do Brasil iluminam o céu, surpreendem e maravilham os meus olhos estrangeiros com as suas luzes brancas e azuis.


Prefeito Cláudio Eberhard
As casas dos bairros raramente tem mais de um andar, quase todas com os seus jardins e pequenos pomares. Algumas dessas casas são humildes, outras, por outro lado, mostram o trabalho de uma vida laboriosa daqueles que eram ex-colonos do Paraguai, agora aposentados. Estes antigos aventureiros desfrutam da tranquilidade de uma cidade bem dotada com escolas, centros de saúde e todo o tipo de lojas. O seu prefeito, Cláudio Eberhard, um homem com um rosto amigável, muito amado na cidade, planeja asfaltar algumas das "ruas" que ainda permanecem pavimentadas em uma terra muito vermelha e muito fértil. O bom trabalho do "prefeito" em termos de prevenção à saúde apresenta um resultado significante, pois esta estação não detetou um único caso de dengue entre a população.

Árvores repletas de mamãos
Coqueiros carregados com cocos verdes
Cachos de bananas sobre a calçada
saindo de um jardim

Abacateiro com 20 metros de altura
que ainda tem algumas frutas









As ruas de Santa Terezinha são decoradas por centenas de mangueiras carregadas de frutas coloridas, dos jardins das casas erguem-se imponentes coqueiros cheios de cocos e bananeiras com muitos cachos de bananas, dos seus muros e cercas sobressaem ramos de plantas e arbustos carregados de acerolas, jabuticabas, goiabas e maracujás que se oferecem ao transeunte com generosidade.


Alfredo Ilvo Zimmer
Neste pomar, um nutricionista como eu está surpreso pela tremenda variedade de frutas e vegetais que parecem estranhas ou mesmo desconhecidas. Uma dessas frutas, Alfredo Zimmer que com os seus 84 anos segura nas suas mãos e mostra-me, é a jaca. Na sua cara, refletem-se, além dos muitos anos, o grande esforço acumulado pelo trabalho árduo na fazenda, a partir de um momento em que a falta de mecanização fez com que os dias fossem infinitos; emocionantes são suas histórias e experiências preciosas ao longo da sua longa vida. Uma das histórias mais surpreendentes que ele conta é sobre um médico que tratou a sua madrasta quando ele ainda era jovem, com a desculpa de procurar por terra na área, o personagem misterioso ficou na sua casa por uma semana. Cinquenta anos depois, ele soube que este médico era um nazista que fugiu depois do final da Segunda Guerra Mundial, nada menos do que o Dr. Josef Mengele, "o anjo da morte". Ao contar a história, mostra um recorte em que a imprensa local faz eco desse episódio na sua vida. Alfredo, de origem alemã, retém, como muitas pessoas neste país, a língua dos seus antepassados, que chegaram ao Brasil em meados do século XIX. Para falar comigo, porém, ele intercalou o português, sua língua nativa, com um espanhol cortês que facilita a compreensão das suas histórias.


Parte comestível de jaca
A árvore que dá a fruta que o Sr. Zimmer mostra é conhecida como a árvore de pão, a sua fruta gigantesca pesa até 20 kg. Com expectativa corto a jaca, com a incógnita de conhecer a sua aparência interior e o gosto, esta fruta é por vezes doce, às vezes intensa, às vezes sem gosto e às vezes ácida, sem regra alguma de adivinhar. Eu cometi o erro de abri-la sem luvas e sem banhar as minhas mãos com óleo, o que faz com que a sua resina pegajosa torne as minhas mãos uma verdadeira armadilha para moscas. Apenas esfregando as mãos energicamente com café moído consegui-me livrar da cola teimosa. O seu sabor é um pouco reminiscente do abacaxi e a sua aparência realmente estranha não se assemelha a nada que eu já havia visto antes.


Cris, Fatima, Kamily, Sinda, Lurdes
Luis, Valdir, Stefani e Arturo
Eri Alves Locatelli com uma cúia
tomando o chimarrão através de
uma bomba
Higor, Rafael, Carlos, Cristina, Roque
Adelaide, Gelso, Nadir, Marcelo,
Natali, Fatima, Alfredo, Eri













Na casa de Alfredo e Eri, as visitas são frequentes, amigos e familiares revezam-se para conversar em uma roda de "chimarrão". Chimarrão é uma versão refinada e requintada de erva-mate, típica do sul do Brasil, e além de ser uma delícia, é parte de um ritual de todas as manhãs e todas as noites que consegue reunir em um círculo de convívio: parentes, conhecidos e conhecidos dos conhecidos. Tomar "Chima" é mais do que apenas tomar um chá mediante um único bocal, compartilhada num pedaço de porongo decorado, tomar “Chima” é uma ode ao respeito e à convivência.


Mangas, nabo, chuchu, côoo verde, jaca, quiabos, maracujá,
couve, goiaba, acerola, jabuticabas, mamão, inhame, maxixes
e jilós da despensa de Eri e Alfredo
Um novo dia com o sol a pino, Eri prepara um maravilhoso almoço com legumes locais, um pouco do seu próprio jardim. Uma salada com chuchu, também conhecido como chayotera, o vegetal é cozido e temperado a gosto; nabo ralado ao qual é adicionado um pouco de molho de soja; folhas de couve picada e temperada com um pouco de azeite de oliva que eu trouxe da Espanha, vinagre balsâmico e sal iodado; mandioca cozida para acompanhar; polenta frita com um pouco de queijo derretido que a Adelaide faz na colónia; bolinhos de arroz integral e feijão-preto; acompanhados por um delicioso suco de acerola recém-colhida; e para sobremesa mangas e jabuticabas colhidas no quintal.


Depois do almoço as conversas diversificam, por vezes, fazer planos caso ganhasse na loteria, ou relembrar os velhos tempos, como quando tinha que se cortar grandes árvores com machado, chegando a levar vários dias para derrubar um desses gigantes, ou quando a luz elétrica chegou a Santa Rosa, a alegria de aposentar a lâmpada de querosene. Outras conversas se concentram nos problemas do dia a dia, como aqueles reclamados por Valdir, irmão de Eri, que veio visitá-la com outros membros da família, nestes dias. Valdir vive ao norte de Mato Grosso, na região de Belém do Pará e está preocupado com as dificuldades que tem em afastar da sua fazenda: onças, javalis e capivaras (roedor que pesa até 65 kg), de modo que eles não prejudiquem as plantações e não matem os animais domésticos.


Nina com o seu prato de jiló
Tem chovido por vários dias, o que torna a temperatura antes sufocante nos últimos días, agora muito agradável; às vezes, muitos litros caem em poucos minutos e as ruas se tornam rios. No final da tarde Nina, a cuidadora de Alfredo, consciente do meu interesse pela comida da região, me traz um prato preparado com jiló, ela avisa-me da sua amargura e diz-me que foi refogado com um pouco de cebola, estou encantado com a simplicidade da preparação e a intensidade do sabor.


Um novo dia e uma raposa entra no pequeno galpão do quintal; está gordinha, parece que a procura de um lugar para ter a sua prole, no entanto, esse tipo de rato gigante não é bem-vindo aqui, por isso deve-se espantá-la; felizmente, ela não sofre nenhum dano.

A raposa se esconde no galpão
atrás dos materiais de construção
Av. Das Rosas. Mercado Golfinho















Após o café da manhã e tomar alguns "mates" vamos às compras no "Mercado Golfinho" localizado na Avenida "Das Rosas", seus funcionários, como é o costume aqui, colocam as compras em várias sacolas. Na nossa cesta, alguns quiabos para fazer um ensopado, o seu sabor se assemelha ao dos feijões-verdes, embora os quiabos quando cozidos deixam uma gelatina que não agrada a todos. Nós também compramos alguns maxixes para fazer salada, contudo ter um aspeto exótico, o seu sabor se assemelha ao do pepino. O caixa pergunta se queremos que levem a compra até o carro ou entreguem em casa, mas dizemos que não é necessário.


Caracol atravessando uma rua
Besouro
No caminho de volta, encontramos um caracol do tamanho de uma bola de ténis e um belo besouro. Quase em casa, um vendedor do Paraguai nos oferece os seus produtos: alho, erva-mate e chipa (elaborada à base de farinha de mandioca), enquanto um carro que viaja lentamente pela rua, anuncia através do alto-falante que vende sorvete de açaí, de abacate e outras frutas. Quando atravessamos o portão, somos recebidos por "negrinha" a nossa fiel amiga canina.


Negrinha
Jambalão em frente ao centro de saúde
Uma das vezes que vamos para o centro de saúde para pegar algumas receitas para Alfredo, percebemos que apenas em frente ao edifício algumas grandes árvores são carregadas com frutas que se assemelham a uma azeitona negra. Um itaipuense que as está a comer nos diz, que a fruta que colore as calçadas de azul anil é chamada de Jambalão e que, conforme o que ele nos diz, esta fruta é um remédio que "cura" a diabete. No caminho de volta, passamos pela casa de João e a sua esposa Maria, que nos presenteia com alguns vegetais da sua horta, entre eles, tomates com uma pele dura e incomum de grande doçura.



Tomates doces do jardim de
João e Maria
Jabuticaba: frutas abundantes em todos
os jardins e pomares
Acerolas, muitas acerolas


Sob o tom fresco da mangueira, compartilhamos um mate gelado chamado tereré e alguns desses morangos, que crescem em árvores, chamados lichias. A conversa inevitavelmente se concentra no retorno que já está mais próximo e o que tiramos da experiência vivida aqui.


Manga Coração-de-boi da casa de Luis e Lurdes


Experimentei iguarias desconhecidas de onde vivo, respirei a essência de uma cidade tranquila, compartilhei os costumes do lugar com as pessoas do lugar, aproveitei caminhadas, muitos "chimas" e momentos irrepetíveis com amigos queridos como Neca, Sr. Güntzel, Jenifer, Edson, César, Rafael (o psicólogo do Centro de Saúde) e Nelci (meu professor de português), entre muitos outros, mais do que tudo, levo no meu coração e a minha alma a família Zimmer - Alves Locatelli, a minha amada família do Brasil.



José María Capitán
dietista-nutricionista

Tradução: Nelci Byhain
graduado em letras: português



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